segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A psicanálise e crise de identidade relacionados com o filme “Freud além da alma”.


“Sempre li que o mundo que é feito de terra e de água era esférico, e as experiências de Ptolomeu e de todos os outros o provaram... Mas comprovei uma tal dessemelhança em relação a essa opiniões que reconsiderei essa ideia do mundo, e concluí que ele não é redondo da maneira que vem sendo descrita, mas da forma de uma de uma pêra... ou como uma bola muito redonda, num ponto da qual haveria uma saliência como um peito de mulher.” CRISTÓVÃO COLOMBO, Diário de Bordo.

Freud frequentemente comparava-se ao pioneiro desbravador da América, afirmando que não inventou o inconsciente, mas apenas desbravou um caminho já existente para regiões psíquicas inexploradas. Assim diz:

“Eu não sou realmente um homem de ciência, nem um observador, nem um experimentador, nem um pensador. Por temperamento, sou apenas um conquistador – um aventureiro, se preferes esse termo – com toda curiosidade, a audácia e a tenacidade que caracterizam um homem dessa espécie. Habitualmente, essas pessoas só são estimadas se tiverem êxito, se descobriram de fato alguma coisa...”  Carta à Wilhelm Fliess

Quando Freud se formou em Psiquiatria e começou a clinicar, o caminho para chegar ao inconsciente era brumoso incerto. Além de remédios, a única ferramenta utilizada pelo analista era a hipnose, que fornecia resultados apenas em curto prazo. Usando a hipnose inicialmente e constatando-a ineficaz em diversos pacientes, Freud partiu para trilhar o seu próprio caminho para chegar ao inconsciente de seu paciente, através da interpretação de seus sonhos e pela livre associação de ideias. Esse caminho trilhado pioneiramente por Freud baseou-se de início no Método Catártico de Breuer, seu amigo e mentor, e mais tarde foi aprimorado para o que se chamou de Psicanálise. O rompimento com a hipnose foi um dos fatores marcantes da psicanálise, como o próprio Freud afirma em sua obra Cinco Lições de Psicanálise:

“A hipnose encobre a resistência, deixando livre e acessível um determinado setor psíquico, em cujas fronteiras, porém, acumula as resistências, criando para o resto uma barreira intransponível”

A Psicanálise é uma das ferramentas mais utilizadas da psicologia moderna para a resolução de enfermidades desencadeadas por mecanismos de defesas do inconsciente. Esta ferramenta, que consiste na investigação sistemática dos problemas ligados a essa enfermidade, foi criada por Sigmund Freud, médico vienense do século IXX. Freud chegou à conclusão de que todas as pessoas sofrem de algum tipo de enfermidade psíquica que afetam o seu comportamento e saúde, ou seja, sofrem de neuroses, culminando em uma certa crise de identidade , onde o indivíduo oculta de si próprio experiências traumáticas de seu passado, fundamentais para a formação de seu “eu” atual.

A utilização da Psicanálise como método de investigação tornou possível a “descoberta” de regiões obscuras da vida psíquica do indivíduo, vencendo resistências interiores, a fim de buscar o fator desencadeador da neurose a partir do autoconhecimento, a fim de solucionar a crise de identidade enfrentada, chegando, finalmente, na cura da enfermidade.

Para desenvolver este método investigativo tão eficiente Freud trilhou um árduo e longo caminho, confrontando seus mentores, sociedade, comunidade científica sua esposa e principalmente suas próprias crenças e medos. Essa importante jornada é bem representada no filme Freud além da alma (1962), retrata os momentos difíceis que Freud viveu no início de sua carreira de médico. São mostradas as descobertas de Freud com as próprias experiências pessoais do psicanalista e a teoria que desenvolveu sobre o Complexo de Édipo.

 O filme citado retrata todas as dificuldades que Freud enfrentou para difundir os fundamentos de sua Psicanálise no meio científico. Em sua investigação clínica, depois de diversas frustrações, ele constata que a grande maioria de pensamentos e desejos reprimidos, culminados em enfermidades, referia-se de conflito de ordem sexual, localizados nos primeiros anos de vida. Freud finalmente chega à conclusão de que todos os problemas de histeria que tratou tinham um denominador comum: a sexualidade na infância. Essa afirmação choca a comunidade científica da época, que repudia a ideia com veemência, assim como seu próprio mentor Breuer.

A partir desta descoberta vital para o seu método de tratamento, ele cataloga as fases sexuais desde a infância até a adolescência:

1- Fase oral (até 2 anos de idade) – zona de erotização é a boca, estando o prazer ligado à ingestão de alimentos.

2- Fase anal (entre 2 e 5 anos de idade) – zona de erotização é o ânus. Nessa fase ocorre o Complexo de Édipo, que é o desejo sexual reprimido da criança pela figura da mãe ou pai. É quando ocorre a estruturação da vida psíquica do indivíduo, quando ele começa a forjar sua identidade.

3- Fase fálica (a partir dos 5 anos) – a zona de erotização é o órgão sexual.

 4- Fase genital (na adolescência) – a zona de erotização está no outro.

Segundo Freud, toda mulher ou homem sofre de desejos sexuais reprimidos na infância, onde o inconsciente, como manobra de defesa distorce a verdadeira realidade criando uma outra alternativa, que permanece até a idade adulta. Essa “manobra do inconsciente” acaba por potencializar uma futura neurose, quando o adulto só é verdadeiramente completo quando superá-la através do autoconhecimento. Em seu discurso Freud diz que todos já sofreram um dia do Complexo de Édipo, e que todos os seres humanos tem a tarefa de superar esse complexo dentro de si mesmo. Aquele for bem sucedido nessa tarefa, tornar-se-á um ser humano completo. Aquele que falhar, se tornará um neurótico. 


 A finalidade do trabalho investigativo de Freud é o autoconhecimento, que possibilita lidar com o sofrimento criar mecanismos de superação das dificuldades, proporcionando ao ser humano a consciência de sua própria essência, de sua história pessoal, de sua identidade verdadeira, que é absolutamente única e singular.

Uma parte marcante do filme “Freud Além da Alma” ocorre quando o Dr. Meynert, rival de Freud, estando em seus últimos dias de vida, o chama para fazer a chocante revelação de que ele mesmo era um neurótico. Atesta:

“Minha vida foi uma farsa. Usei mal meu talento. Escondi a verdade de mim mesmo. Suprimi meu eu verdadeiro. Resultado, estou morrendo num estado de orgulho e ignorância. Não sei quem sou. A minha vida foi vivida por outra pessoa.” 


Ao final ele valida o esforço de Freud e o estimula a continuar a sua investigação do inconsciente.

O filme termina com uma citação daquilo que está escrito no templo de Delfos há mais de dois mil anos e que é o objetivo de Psicanálise:

 
“Conheça a si próprio”.  



Por: Anselmo Diniz

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